Na sequência de suas revelações, Santa Gertrudes continua a oferecer ao leitor não apenas um vislumbre de sua vida espiritual, mas um autêntico itinerário de santidade, pautado por experiências interiores e ensinamentos profundos. Os capítulos treze, quatorze e quinze formam um tríptico que nos revela com clareza que a mística verdadeira não se limita a visões e êxtases, mas se constrói também no esforço cotidiano, na disciplina interior, na caridade concreta e na purificação dos afetos e sentidos. São capítulos que, à primeira vista, podem parecer menos extraordinários que os anteriores — pois neles não há visões de anjos nem aparições do Cristo glorioso —, mas que, ao serem lidos com atenção, revelam o núcleo mais concreto da vida espiritual: o chamado à conversão diária e a vigilância amorosa sobre a própria alma.
No décimo terceiro capítulo, Gertrudes se detém na necessidade de vigiar atentamente os sentidos e afetos. Trata-se de um ensinamento que ecoa com vigor os conselhos dos antigos padres do deserto, e que, ao ser colocado na boca de uma mulher do século XIII, demonstra a atemporalidade da verdadeira espiritualidade. Para Gertrudes, o caminho até Deus não passa apenas por grandes graças místicas, mas exige uma atenção constante aos movimentos internos da alma, às inclinações do coração, às distrações dos olhos, dos ouvidos, da imaginação. Os sentidos, quando não bem ordenados, tornam-se portas por onde entram as distrações e os desejos desordenados que nos afastam do Bem supremo.
Ela compreende que a alma é como um jardim que precisa ser continuamente cuidado, e que, se os olhos se fixam no que é vão, se os ouvidos se entregam a conversas inúteis, se os afetos se deixam dominar por emoções descontroladas, a presença de Deus, embora constante, torna-se difícil de ser percebida. O ensinamento aqui é claro: não basta desejar a união com Deus — é necessário vigiar, podar, corrigir com ternura e firmeza. Gertrudes mostra que a vigilância espiritual não é repressão, mas amor inteligente. Quem ama guarda. Quem ama protege. E essa proteção começa dentro de si mesmo.
O capítulo seguinte, o décimo quarto, aprofunda essa visão ao tratar dos exercícios pelos quais a alma é purificada. Gertrudes, em sua experiência, entende que a purificação da alma não é apenas consequência do sofrimento ou das tribulações impostas pela vida, mas também fruto de práticas conscientes que ajudam a alma a se desapegar de tudo o que a impede de voar para Deus. Ela não apresenta uma lista fria de exercícios, mas compartilha, com sinceridade tocante, os processos pelos quais Deus a conduziu: exames de consciência, atos de arrependimento sincero, orações feitas com o coração dilacerado, silêncios fecundos, pequenas renúncias. Cada um desses gestos é uma escada invisível, um degrau a mais rumo à liberdade interior.
A purificação da alma, na visão de Gertrudes, não é sofrimento estéril, mas participação no processo de modelagem que Deus realiza em cada pessoa. Deus é o artífice que trabalha com paciência o barro da alma, e cada exercício espiritual é como um sopro d’Ele sobre esse barro, até que a imagem desejada apareça. Há, nesse ensinamento, uma pedagogia do amor que não impõe um modelo pronto, mas convida cada alma a se deixar transformar, a entrar no fogo da purificação não com medo, mas com confiança. Gertrudes nos mostra que ser purificado não é ser punido, mas ser preparado para uma intimidade maior com o Senhor.
No décimo quinto capítulo, a narrativa se abre novamente para a dimensão ativa da espiritualidade: as obras de caridade. Aqui, a mística se torna ação. Gertrudes nos revela, por meio de visões e intuições interiores, o quanto as ações de amor ao próximo são agradáveis a Deus. Não se trata de uma espiritualidade que vive voltada para dentro, esquecida das dores do mundo. Ao contrário, ela entende que amar a Deus exige amar concretamente aqueles que estão ao nosso redor. Cada ato de caridade — um cuidado com os doentes, um gesto de escuta, uma palavra de consolo, uma ajuda material ou espiritual — é, para ela, um perfume que sobe até o trono divino.
Mas Gertrudes vai além. Ela une a caridade à meditação sobre as coisas sagradas. A vida espiritual não é feita apenas de ação, mas de contemplação. A alma que serve deve também se recolher. E, para ela, a meditação é o lugar onde o coração se reordena, onde os afetos se purificam, onde os pensamentos se alinham à vontade divina. As “coisas sagradas” de que fala não são apenas conceitos teológicos ou imagens piedosas, mas realidades vivas: a Paixão de Cristo, os mistérios da Eucaristia, o amor da Trindade, a intercessão dos santos. Meditar sobre esses temas não é fuga, mas alimento. É na contemplação que a alma encontra forças para continuar servindo.
O que se percebe, ao final desses três capítulos, é que Gertrudes oferece ao leitor moderno um equilíbrio precioso e raríssimo entre vida interior e vida ativa. Ela não separa mística de moral, nem oração de caridade. Para ela, tudo é graça, e tudo pode ser ofertado a Deus se for feito com amor e vigilância. Suas palavras não são apenas fruto de reflexão pessoal, mas de experiências autênticas, vividas no silêncio do claustro e na labuta do cotidiano. Ela conheceu o êxtase, mas também soube da luta contra a distração. Recebeu visões, mas também derramou lágrimas diante da própria tibieza. E é justamente por essa sinceridade que sua voz ainda ressoa com tanta força.
Ler esses capítulos é como receber conselhos de uma amiga experiente na arte de amar a Deus com todo o coração. Uma amiga que não mascara a dificuldade do caminho, mas que nos encoraja a não desistir. Porque, como ela mesma viveu, é na perseverança diária, nos pequenos atos, nas orações silenciosas e nos gestos de amor que a alma se torna morada digna daquele que tudo vê e tudo transforma.
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