Em meio à rotina sagrada e austera do mosteiro, onde o tempo se mede não pelos ponteiros do relógio, mas pelas orações e pelos sinos litúrgicos, Santa Gertrudes ia se tornando uma lenda viva entre as suas. Após os feitos narrados nos capítulos anteriores, onde sua vida espiritual e liderança floresciam, a narrativa mergulha ainda mais profundamente no coração dessa alma escolhida. No quarto capítulo, vemos uma Gertrudes que, apesar de sua santidade reconhecida, permanece humilde, consciente de sua pequenez diante de Deus. É tocante vê-la pedindo orações a sua companheira de mosteiro, Santa Mechtilde. Esse gesto aparentemente simples revela uma das marcas mais fortes da verdadeira santidade: a humildade que reconhece que, mesmo na intimidade com Deus, a alma ainda necessita do apoio e intercessão do outro. A oração não é apenas um hábito religioso para Gertrudes, mas um fio de ouro que a conecta com a comunidade celestial e terrena.
As palavras de Nosso Senhor, ao manifestar-se satisfeito com a paciência e brandura de sua serva, têm um tom quase paternal. Ele não a enaltece pelas obras visíveis, mas pelas virtudes silenciosas — paciência em meio à doença, brandura diante das adversidades, fidelidade mesmo quando o coração sangra em silêncio. Mais do que isso, o Senhor declara que mora nela. Essa afirmação transforma o coração de Gertrudes em novo templo, um santuário vivo onde Deus se oculta e repousa. E, talvez mais belo ainda, Ele afirma esconder suas imperfeições. Essa imagem de um Deus que cobre as falhas de sua filha amada com seu próprio manto é de uma ternura desconcertante. Em tempos onde a perfeição é exigida e os erros são punidos com severidade, essa revelação mostra um Deus que não nega a fragilidade humana, mas a acolhe e transforma.
No capítulo seguinte, a figura de Gertrudes como abadessa se intensifica. Longe de assumir esse cargo com autoritarismo ou frieza, ela o vive como serviço radical. Sua ternura para com as irmãs doentes, seu zelo em cuidar das mais frágeis, sua disposição constante para ouvir, aconselhar e interceder fazem dela um verdadeiro reflexo do Bom Pastor. A biografia não descreve uma líder que impõe, mas uma mãe que cuida. Mesmo quando a saúde lhe falta e a dor se torna companheira constante, ela continua a servir. E quando, já enfraquecida, pensa em renunciar à sua função, é proibida pelo próprio Cristo. Não por teimosia divina, mas porque, como revela o Senhor, tudo o que é feito por ela é como feito a Ele mesmo. Essa inversão de lógica — onde o serviço prestado a Gertrudes se torna adoração ao próprio Cristo — revela a união mística entre os dois. Não há mais separação entre criatura e Criador: sua vontade é a Dele, seu sofrimento é o Dele, sua missão é a Dele. A presença de São Lebuin neste trecho confirma esse reconhecimento celestial. Ela não estava só em sua dor, pois os santos, visíveis e invisíveis, a acompanhavam como irmãos mais velhos na fé.
A narrativa alcança seu ápice emocional no capítulo seis, que retrata os momentos finais da santa. Em suas últimas palavras, não há desespero, medo ou reclamação. Há devoção. Até o último suspiro, ela se mantém fiel ao Ofício Divino, como se cada oração fosse um degrau na escada para o céu. Suas palavras finais são dirigidas aos seus filhos espirituais com a ternura de uma mãe que entrega o coração antes de partir. A morte de Gertrudes não é uma interrupção brusca, mas o desabrochar de uma flor eterna. Quando o Senhor aparece para recebê-la, prometendo acolhê-la como acolheu Sua própria Mãe Santíssima, não há dúvida de que algo grandioso está acontecendo: o céu se curva para receber uma alma que viveu na terra como se já estivesse no paraíso.
A cena final não é apenas bela; é litúrgica. Anjos são enviados para chamar Gertrudes, e sua partida se torna um ato de adoração, um retorno natural de quem sempre viveu mais perto do céu do que da terra. Ao longo desses capítulos, o que se apresenta ao leitor não é apenas uma biografia de uma religiosa exemplar. É o retrato de uma alma que viveu, sofreu, amou e morreu em íntima união com o Cristo que amava. A narrativa não esconde suas fragilidades, mas revela que é justamente nelas que a graça se manifesta com mais vigor. A paciência, a humildade, a capacidade de oferecer a dor em silêncio e a fidelidade até o fim são os traços que compõem essa mulher que a Igreja, mesmo sem canonização formal, reconhece como uma das maiores místicas do cristianismo.
Conclui-se que Santa Gertrudes, ao longo de sua vida e especialmente nestes capítulos finais, encarna uma espiritualidade que não se exalta no extraordinário, mas que se enraíza no ordinário transfigurado. Seu exemplo fala aos corações modernos com a força de um testemunho silencioso, mas imbatível: o da alma que escolheu amar, sempre, apesar de tudo. Ela nos lembra que o verdadeiro milagre não está nos prodígios exteriores, mas na transformação interior que faz de um coração humano a morada de Deus. E ao fecharmos essas páginas, não sentimos apenas admiração. Sentimos saudade de uma presença que ainda hoje nos ensina a orar, a sofrer, a servir — e, finalmente, a morrer como quem simplesmente adormece nos braços de um Amado que nunca falha.
Share this post