A Questão 27 da Suma Teológica de São Tomás de Aquino, ao abordar a Processão das Pessoas Divinas, nos introduz no cerne do mistério trinitário, um dos dogmas mais distintivos e profundos da fé cristã. Longe de ser uma mera especulação abstrata, esta seção da Suma busca articular, dentro dos limites da razão humana iluminada pela fé, como as três Pessoas Divinas – Pai, Filho e Espírito Santo – se relacionam entre si, mantendo a unidade essencial da divindade. Aquino, com sua habitual clareza e rigor, explora os conceitos de geração e processão, oferecendo uma visão que busca conciliar a unidade e a trindade de Deus. A análise de Aquino, permeada de reverência e busca pela verdade, convida-nos a uma imersão no mistério do Deus Trino, a fonte de todo o amor e a origem de toda a criação. Ao contemplar a processão das Pessoas Divinas, somos desafiados a aprofundar nossa compreensão da natureza de Deus e a renovar nossa fé no mistério da Santíssima Trindade.
O ponto de partida da argumentação de São Tomás de Aquino reside na afirmação da unicidade de Deus, expressa na fórmula “uma só substância, três Pessoas”. A divindade é una, indivisível e perfeita, mas se manifesta em três Pessoas distintas, cada uma com sua própria individualidade e características. A processão das Pessoas Divinas não implica uma divisão da substância divina, mas sim uma comunicação da mesma essência de uma Pessoa para outra. O Pai gera o Filho, e ambos, em um ato de amor mútuo, espiram o Espírito Santo. A processão, portanto, não é uma criação ou uma divisão, mas sim uma comunicação da divindade, um mistério que transcende a nossa compreensão, mas que podemos vislumbrar através da fé e da razão.
São Tomás de Aquino desenvolve sua análise através de uma série de artigos, cada um explorando um aspecto diferente da processão das Pessoas Divinas. Ele questiona se as Pessoas Divinas procedem umas das outras, se a geração e a processão são atos voluntários ou necessários, se o Espírito Santo procede do Pai e do Filho, e como a processão das Pessoas Divinas se relaciona com a criação do mundo. Em cada caso, Aquino apresenta argumentos e objeções rigorosas, buscando conciliar a revelação divina com a razão natural.
Uma das questões mais complexas abordadas por São Tomás de Aquino é a relação entre a geração do Filho e a processão do Espírito Santo. Aquino argumenta que o Filho é gerado pelo Pai por meio do intelecto, enquanto o Espírito Santo procede do Pai e do Filho por meio da vontade. A geração do Filho é um ato de inteligência, uma comunicação da sabedoria divina, enquanto a processão do Espírito Santo é um ato de amor, uma comunicação da bondade divina. A geração e a processão, portanto, são dois modos distintos de comunicação da divindade, que refletem as diferentes faculdades da alma humana e nos ajudam a compreender, de maneira analógica, o mistério da Trindade.
Outro tema fundamental tratado por São Tomás de Aquino é a relação entre a processão das Pessoas Divinas e a criação do mundo. Aquino argumenta que a criação é um ato trinitário, que envolve a ação conjunta do Pai, do Filho e do Espírito Santo. O Pai é o princípio da criação, o Filho é a razão da criação e o Espírito Santo é o amor que move a criação. A criação, portanto, é uma manifestação da bondade divina, um dom gratuito de Deus aos seres humanos, que nos convida a participar da Sua vida e da Sua felicidade.
A influência das ideias de São Tomás de Aquino sobre a processão das Pessoas Divinas na formação cristã é profunda e duradoura. Ao longo dos séculos, seus ensinamentos têm servido como um guia para a compreensão do mistério da Trindade e da relação entre fé e razão, inspirando gerações de teólogos, filósofos e líderes religiosos. A visão de Aquino sobre a processão das Pessoas Divinas oferece uma base sólida para a fé, ao mesmo tempo em que desafia os crentes a aprofundar sua compreensão da natureza de Deus e a buscar uma vida de virtude e santidade. A crença na Trindade se torna um alicerce para a esperança cristã, para a certeza de que Deus nos ama e nos chama à comunhão eterna com Ele.
No contexto contemporâneo, a reflexão de São Tomás de Aquino sobre a processão das Pessoas Divinas continua a ser de grande valia e pertinência. Em um mundo marcado pela fragmentação, pela divisão e pela busca incessante por individualidade, a afirmação da Trindade como unidade na diversidade pode oferecer um modelo para a construção de comunidades mais justas, fraternas e solidárias. A certeza de que Deus é uno e trino pode nos inspirar a buscar a unidade na diversidade, a valorizar a individualidade de cada pessoa e a construir relacionamentos baseados no amor, no respeito e na compreensão mútua. Além disso, a ênfase de Aquino na importância da razão e da fé pode nos ajudar a superar os fundamentalismos e os relativismos, a buscar a verdade com honestidade intelectual e a viver em conformidade com os valores do Evangelho.
É imprescindível, contudo, ressaltar a importância de uma leitura cuidadosa e contextualizada da obra de São Tomás de Aquino. A linguagem e o pensamento do século XIII podem ser desafiadores para o leitor moderno, e é fundamental evitar interpretações simplistas ou reducionistas. Ao mesmo tempo, é crucial reconhecer a riqueza e a profundidade do pensamento de Aquino, sua capacidade de integrar fé e razão, e sua busca constante pela verdade. A processão das Pessoas Divinas, tal como entendida por Aquino, não é uma teoria abstrata ou uma especulação vazia, mas sim um mistério insondável que nos convida a uma profunda reflexão sobre a natureza de Deus e sobre o nosso próprio ser.
Em síntese, a Questão 27 da Suma Teológica de São Tomás de Aquino oferece uma reflexão profunda e abrangente sobre a Processão das Pessoas Divinas. Ao explorar as diversas facetas deste tema central da teologia cristã, Aquino nos convida a contemplar a grandeza e a bondade de Deus, a aprofundar nossa compreensão da relação entre Deus e o mundo, e a buscar uma vida de fé, esperança e amor. Sua obra continua a ser um farol de luz para aqueles que buscam compreender o plano de Deus para suas vidas e para o mundo. A Processão das Pessoas Divinas, tal como delineada por Aquino, não é um mero conceito teológico, mas sim uma realidade misteriosa e fascinante que nos desafia a uma profunda e constante busca por Deus, a um compromisso com a vivência dos valores do Evangelho e a um testemunho coerente da fé cristã. A contemplação do mistério da Trindade nos impulsiona a amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos, a buscar a unidade na diversidade, a viver em comunhão com nossos irmãos e a testemunhar o amor de Deus em todos os lugares.
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